17 de agosto de 2014

Um fato inesquecível...


Mas, o que mais me encantava era a cama coberta de presentes caros, bonecas de porcelana lindas, mobílias de bonecas, enfim... Era um estardalhaço de felicidade e riqueza!
Eu não tinha nada daquilo, meus aniversários sempre passavam em branco, nem um bolinho simples para comemorar com a família. Ganhava uma boneca de minha mãe, a indiferença do meu pai e muitos afagos de meu inesquecível avô. Mas, não sentia inveja. Nem sabia o que era isso. Era como se eu soubesse que era para ser daquele jeito mesmo, porque festas eram somente para meninas ricas. Por isso, nunca esqueci do presente que o noivo de minha irmã mais velha me deu, quando fiz quatro anos de idade: uma mobília azul completa de bonecas, com cozinha e tudo, inclusive panelinhas, bonequinhas. Eu passava horas arrumando aquela casa imaginária e vivendo nela minhas venturas infantis, momentos de plenitude que só as crianças sabem viver.
Guardei este precioso brinquedo até ficar mocinha, por volta dos 16 anos, e perder o interesse por bonecas (o que nunca perdi completamente). Não sei se por ter recalcado o desejo infantil de ter uma festa de aniversário, não se por algum processo psicológico para me proteger da mágoa de nunca ter tido uma, o fato é que, depois de adulta, passei a detestar a data do meu aniversário, receber parabéns, presentes e tudo o mais que se relacionasse a esse dia.
Minha primeira festa de aniversário, a festa que nunca havia tido, aconteceu inesperadamente  e da forma mais emocionante, carinhosa e mágica  que se possa imaginar nos meus 46 anos de idade.  Aquele seria mais um aniversário que eu ignoraria, se não fosse um bando de alunas amigas, jovens e ruidosas, com idade de serem minhas filhas, que, esbanjando alegria e cantorias de “parabéns para você”, invadiram meu apartamento, pelas portas da frente e da área de serviço, trazendo nas mãos uma festa inteira, ou melhor: um banquete completo, além dos presentes que foram parar em minha cama, tal como eu vira na cama das minhas primas e das minhas filhas (estas tiveram todas as festas que eu não tive).
Foi uma das mais fortes emoções de minha vida! Não pela festa que me fizeram em si, mas, pelo gesto de amor, de carinho, de cumplicidade que, como em um passe de mágica, curaram todas as feridas da minha infância, passaram uma esponja naquelas imagens magoadas, substituindo-as pelas novas imagens que pareciam trazidas das páginas de um conto de fadas.
Não sei o que fiz para merecer aquela magnífica demonstração de afeto e calor humano. Não conseguia perceber qual era a graça que elas achavam em uma pessoa tão mais velha e, às vezes, amarga, depressiva e complexa. O que sei é que o bem que me fez perdura até hoje e o levarei comigo até os derradeiros dias dessa minha atormentada e maravilhosa passagem pela vida. Obrigada meninas queridas... Amigas para sempre.