28 de dezembro de 2014

Olhe para todos a seu redor...

Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós. 
Não temos amado, acima de todas as coisas. 
Não temos aceito o que não entendemos
 porque não queremos passar por tolos. 
Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro. 
Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada. 

Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. 
Não nos temos entregue a nós mesmos,
 pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. 
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. 

Temos organizado associações e clubes sorridentes 
onde se serve com ou sem soda. 
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação 
para não nos envergonharmos de ser inocentes. 
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios. 

Temos mantido em segredo a nossa morte
 para tornar nossa vida possível. 
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. 
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, 
sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. 
Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. 
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. 

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. 
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. 
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. 
Temos chamado de fraqueza a nossa candura. 
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. 
E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. 

Clarisse Lispector


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