Li há dias um texto escrito pela escritora portuguesa Rosa Lobato de Farias que me deixou encantadíssima com a filosofia de vida da autora e com a sua maneira positiva de estar na vida. Identifiquei-me de forma absoluta com a atitude dela perante a passagem do tempo e o avançar da idade, ignorando a temporalidade cronológica em favor de uma apaixonada adesão à temporalidade subjetiva, que nos permite viver, não como a nossa aparência exterior exige, mas sim como a nossa realidade mental e a nossa energia vital determinam.
Tal atitude é de uma sabedoria indiscutível, faz bem a alma de quem tem a coragem e a ousadia de assumi-la. Posso afirmar isto, porque me vi projetada no texto de Rosa Lobato, pois, como ela, também assumo a idade que sinto ter e não a que a perversidade do espelho me mostra. Talvez por isto as pessoas não acreditem, quando declaro minhas décadas e, invariavelmente, digam: Como pode? Você aparenta ter muito menos!
Reconheço que a genética me deu uma ajudazinha, mas sei que é a energia e a exuberância que vêm de dentro de mim que me rejuvenessem, é a forma apaixonada como encaro a vida e o entusiasmo que invisto tudo quanto faço que passam a impressão de uma juventude que só existe no meu interior. Rosa Lobato de Farias faleceu no mesmo ano em que escreveu o texto - MAZELAS - que hoje posto aqui.
Mazelas é uma Ode à alegria de viver, é uma grande lição de vida deixada para as pessoas que, equivocadamente, acreditam que a velhice é um tempo obscuro, que é apenas a antecâmara da morte, que representa a cessação de uma existência plena, prazerosa e ativa. Ela mostrou que não é assim, vivendo em plenitude sua juventude interior até a sua partida para uma outra forma de vida. ( Eva-RN)
MAZELAS
Aos 77 anos, como é natural, aparecem-nos todas as mazelas. Insignificâncias: uma dor aqui, uma dor ali, nas costas, na perna, na cabeça, uma pequena coisa na pele, na unha, no olho. Não ligo nenhuma. Porque a minha maior mazela é não acreditar que tenho 77 anos.
Eu bem me farto de dizer aos quatro ventos a minha idade e ver se interiorizo este facto, mas por dentro, estou na casa dos trinta, vá lá quarenta, mas não passo daí. Setenta e sete anos? Que loucura!
Tenho sempre tantas coisas para fazer, para acabar, para ler, para escrever, tanto lugar para visitar, tanto museu para ver, e depois as mazelas – ai!-, mas vou. Porque tenho trinta anos e, evidentemente, tenho que ir.
Não tenho a noção de ser uma senhora velha. Digo Estava lá uma velhota, ou Imaginem que uma velha... Estou a falar de pessoas provavelmente mais novas que eu, mas não enxergo. Até quando irá durar esta idade subjetiva que não me deixa envelhecer tranquilamente?
Só quando me oferecem o braço (já caí na rua e parti a perna, mas nem assim...), quando me sentam no lugar de honra à mesa, quando me dão o assento da direita no automóvel, quando não me dirigem galanteios (que estranho!), acordo para a realidade: ai, é verdade, tenho 77 anos, que maçada...
Ultimamente, tive (ou tenho, ainda não percebi) cancro de mama. Como acho que Deus não me ia mandar uma doença só para me chatear, abri uma campanha de sensibilização (televisão incluída), para que as mulheres façam mamografias. Transformei a porcaria da doença numa coisa positiva.
Passei os trâmites habituais: operação, radioterapia, etc. Tudo pacífico. Ainda por cima, o médico disse-me que era pouco provável que o cancro me matasse, porque, na minha idade, as células já não são o que eram... Aí, sim?
Tenho 77 anos, que alegria!...
Autora: Rosa Lobato Farias
Escritora e atriz portuguesa.
(Não foi o cancro que matou Rosa, mas sim outras “mazelas” que nada tinham a ver com esta doença)
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